Eu, você e o mal que vemos no mundo
Você não é uma pessoa má. Eu não sou uma pessoa
má. Contudo o mal existe no mundo. De onde ele vem?
As coisas más que são feitas sobre a terra são
praticadas por seres humanos. Mas se você e eu não somos maus, quem é,
então? Será que o mal reside apenas em outros lugares tais como a Alemanha
nazista? Ou será que ele habita somente o coração de criminosos e
traficantes, mas não o de pessoas que conhecemos?
O mal reside em cada uma e em toda alma humana.
Em outras palavras, o mal que existe no mundo nada mais é do que a soma do
mal que existe em todos os seres humanos. Eu já fiz coisas que são
moralmente repreensíveis e tenho fortes suspeitas de que você também fez.
Todos nós temos falhas de caráter, todos somos mais ou menos egocêntricos,
egoístas e mesquinhos. E essas falhas de caráter levaram-me muitas vezes a
ser antipático, rancoroso, ciumento e a agir de formas que só contribuem
para aumentar o sofrimento do mundo. Mas isso faz de mim uma pessoa má?
Você e eu certamente não somos maus em nossa
totalidade, ou em nossa essência, mas temos o mal dentro de nós. Portanto,
a palavra “mal” pode descrever um comportamento que vai desde a simples
mesquinhez, num extremo, até o sadismo genocida do nazismo em outro.
Aqueles de nós que habitam um extremo do espectro podem ter o desejo de
dizer que nada tem em comum com os assassinos do extremo oposto, mas será
que não temos nada em comum com eles?
Há muitos anos a palavra “pecado” ainda era de
uso comum, mas hoje ela praticamente não é empregada. Agora preferimos usar
a terminologia da Psicologia, que fala antes dos defeitos e falhas humanos,
mas normalmente põe a culpa em outro lugar - nos pais ou na sociedade - por
fazerem de nós o que nós somos.
Contudo, na visão da Psicologia perdemos algo
que a velha ideia religiosa de pecado nos deu e que é uma parte crucial do
processo de transformação: a de que somos responsáveis pela nossa
negatividade, pelos nossos atos e omissões. Ser responsável é muito
diferente de ser culpado. Significa simplesmente reconhecer que às vezes
nós somos a origem da dor, da injustiça e do descaso para com nós mesmos,
os outros e o mundo.
Se eu posso admitir essa responsabilidade -
admitir que não sou apenas uma vítima do mal que há no mundo, mas que sou,
da minha própria maneira, alguém que espalha negatividade - então o que
devo fazer a respeito? Como posso transformar o mal que existe em mim?
A religião tradicional nos dá preceitos morais,
tais como: “Faz aos outros o que desejarias que fizessem a ti” ou “Ama o
teu próximo como a ti mesmo”. Se todos pautassem a sua existencia nessas
regras áureas, o mundo de fato seria um lugar muito mais agradável. Mas
como disse Carl Jung, na religião tradicional, “Todos os esforços são
feitos para ensinar crenças ou condutas idealistas às quais as pessoas
sabem, no fundo do coração, que jamais poderão corresponder, e esses ideais
são pregados por pessoas que sabem que elas mesmas nunca corresponderão a
esses elevados padrões”.
A vasta maioria das transmissões espirituais da
atualidade , ou o material canalizado, concentra-se na bondade essencial
dos seres humanos, na nossa natureza divina suprema. Mas o que faremos com
o nosso “lado escuro”? Esse “mal” não precisa ser negado. Ele precisa ser
simplesmente “conhecido” por meio da auto-observação diária.
O EU Superior, o EU Inferior e a Máscara
Cada ser humano tem um EU Superior ou centelha divina. Ele é o mais refinado e mais
radiante dos nossos corpos sutis, com a mais alta vibração, pois, quanto
mais elevado o desenvolvimento espiritual, mais rápida é a vibração. Mas o EU Superior aos poucos se cercou de
várias camadas de matéria mais densa, não tão densa quanto o corpo físico,
porém infinitamente, mais densa do que ele mesmo. Assim passou a existir o EU Inferior. O EU Inferior consiste não apenas nas falhas comuns e nas
fraquezas individuais que variam de pessoa para pessoa, mas também na
ignorância e na indolência. Ele odeia mudar e dominar-se a si mesmo; ele
tem uma vontade muito forte que nem sempre pode se manifestar externamente
e quer conseguir o que quer sem pagar o preço. É muito orgulhoso e egoísta
e sempre muito vaidoso.
Existe outra camada que, infelizmente, ainda
não é suficientemente reconhecida entre os seres humanos em todo o seu
significado, a qual eu poderia denominar a Máscara. Essa máscara é criada
da seguinte maneira: você reconhece que pode entrar em conflito com o seu
ambiente cedendo aos desejos do EU
Inferior, porém, você pode não estar pronto para pagar o preço de eliminar
o EU Inferior. Isso
significaria, antes de tudo, ter que encará-lo como ele realmente é, com todos
os seus motivos e impulsos, uma vez que você só pode vencer aquilo de que
tem total consciência. Isso significa tomar o caminho estreito, o caminho
espiritual. Muitas pessoas não querem pensar nisso profundamente; em lugar
disso elas reagem ocasionalmente sem pensar em como os seus EUs Inferiores podem determinar
suas reações. A mente subconsciente sente que é necessário apresentar uma
personalidade diferente para o mundo a fim de evitar certas dificuldades,
coisas desagradáveis ou desvantagens de todos os tipos. Assim as pessoas
criam uma nova camada do eu que não tem nada a ver com a realidade, nem a
do EU Superior nem com a
realidade temporária do EU
Inferior. Essa Máscara superposta é o que se poderia chamar de uma farsa;
ela é irreal.
O EU
Inferior ordena à pessoa, por exemplo, que ceda a um desejo egoísta. Não é
difícil para ninguém, mesmo da mais limitada inteligência, perceber que
cedendo a esse desejo ela será rejeitada ou perderá a afeição dos outros,
um resultado que ninguém deseja. Em vez de superar o egoísmo pelo lento
processo de desenvolvimento, essa pessoa frequentemente age como se já não
fosse egoísta. Mas ela é, na verdade, egoísta e percebe o seu egoísmo. A
sua generosidade é apenas uma farsa, não correspondendo absolutamente aos
seus reais sentimentos. Uma bondade imposta como essa não tem valor. Ao
mesmo tempo em que essa pessoa dá algo a alguém, ela pode odiar a idéia de
fazê-lo. Ela é não apenas egoísta em seu íntimo mas é também falsa para com
a sua natureza, vivendo uma mentira.
Eu não estou sugerindo que é aconselhável ceder
á natureza inferior; devemos antes lutar por esclarecimento e fazer um
esforço de desenvolvimento para purificar os nossos sentimentos e os
desejos. Mas se isso ainda não conseguirmos, pelo menos não devemos nos enganar.
Precisamos ter, quando nada, uma visão clara e verdadeira da discrepancia
existente entre nossos sentimentos e nossas ações. Desse modo máscara
alguma pode se formar.
Como Deixar De Enganar A Si Mesmo
Como eu disse, ser verdadeiro para
consigo mesmo não quer dizer que você deva ceder ao seu Eu Inferior, mas
sim que deve ter consciência dele. Não se iluda caso ainda esteja agindo
segundo a necessidade de proteger-se. Tenha consciência de que os seus
sentimentos ainda não foram purificados neste ou naquele aspecto. Assim
você tem uma boa base para começar. Pois os sentimentos não podem ser
mudados por um simples ato de vontade, mas eles vão modificar-se se você
aprender primeiro a observá-los.
A Revisão Diária
Então como começar a mudar seus
sentimentos mais profundos? Eis a questão! É por aí que devemos começar. Em
primeiro lugar, você não poderá mudar nada enquanto não souber o que existe
dentro de você. A maior dificuldade é que as pessoas tendem a se enganar
sobre quem realmente são. Elas fogem disso porque pensam, de maneira
equivocada, que aquilo que não conhecem não existe. Contudo, mesmo que você
desvie o olhar da sua realidade interior, ela existe. Ela pode ser apenas
um estágio temporário do seu desenvolvimento, mas ainda assim é a sua
realidade agora.
A fuga e a negação é o maior engano que um ser
humano pode cometer, pois causa infinitamente mais problemas, mais
perturbações e mais conflitos internos e externos que qualquer coisa que
você conheça em sua mente consciente. Essa atitude viola uma lei
espiritual: a lei do enfrentamento da vida. Encarar a realidade da vida
significa ser capaz de encarar a si mesmo como você é, com todas as suas
imperfeições. Se não encarar a sua vida em primeiro lugar, nunca poderá
evoluir. Você só consegue atingir a perfeição atravessando as suas
imperfeições, e não contornando-as.
Portanto, é muito importante que você faça uma
revisão diária e preste atenção às suas reações e a tudo o que tenha
sentido durante o dia em resposta a incidentes que com frequência parecem
irrelevantes. Apenas observe-se ao longo do dia e às suas reações, sem
tentar se modificar imediatamente, pois os sentimentos só vão se modificar
se você aprender a primeiro observá-los.
A prática da revisão diária é uma poderosa
ferramenta. Qualquer um pode utilizá-la. Tudo o que você precisa fazer é
rever o seu dia e pensar em todos os eventos que, de alguma forma, causaram
desarmonia. Mesmo que você não possa compreender o porquê, registre por
escrito a situação e o que você sentiu. Depois de fazer isso por algum
tempo, você vai perceber um padrão. Se eventos ou sentimentos infelizes se
repetem constantemente, isso significa que aí existe uma tendência.
Depois que você tiver mantido uma revisão
diária por algum tempo, leia todas as anotações e recorde as situações,
juntamente com as suas reações. Veja se consegue identificar uma tendência.
Pergunte a si mesmo: Onde posso achar o ponto em mim mesmo no qual me
desvio de alguma lei divina?
Sem essa revisão diária será difícil obter o
autoconhecimento, sem o qual você não pode alcançar a divindade que habita
dentro de você.
O Preço Do Crescimento Espiritual É
Alto
Ao longo desse processo de transformação
interior, você vai se deparar também com outra lei: existe um preço a ser
pago por tudo. Quem quer evitar isso pagará no fim um preço muito maior. O
preço do crescimento espiritual é alto, mas vale a pena, pois não existe
absolutamente outro meio, na terra ou no céu, de obter harmonia, amor,
felicidade e completa segurança interior. O preço é: nada de autopiedade,
nada de ilusões a respeito de si mesmo, tempo, esforço, paciência,
perseverança e coragem. O que você receberá por esse preço é na realidade
cem vezes mais valioso,mas não espere ver a recompensa assim que começar.
Não existe um método fácil nem uma fórmula
mágica para você obter a felicidade que busca. Eu não posso prometer-lhe as
preciosas dádivas dos céus na terra se você simplesmente rezar. O que
ofereço é real e verdadeiro. Sua maior dificuldade e a coisa que mais o
enfraquece na vida é o fato de não poder ver a razão de nada que lhe
acontece na vida. Apenas com o autoconhecimento você descobrirá e somente
isso lhe dará a força de que necessita. À medida que compreende a si mesmo
e começa a pôr em ordem a sua alma, uma vibrante força de vida começa a
preenchê-lo. Um sentimento de contentamento e paz profundos surgirá em você
com uma frequencia muito maior.
Ser humano é ser falho e imperfeito, mas isso
não é motivo para desespero. Vivemos num nível intermediário, nem céu nem
inferno. Essa é a condição da nossa existência. Nosso propósito é
precisamente aprender a nos examinarmos honestamente, ver claramente as
nossas imperfeições, resolver mudar, aprender como mudar e, então,
prosseguir, de forma diligente e corajosa, com o trabalho de
autotransformação. Essa é a nossa nobreza. É para isso que existe o estado
humano.
Extraído e adaptado de Não Temas o Mal, Eva
Pierrakos e Donovan Thesenga, Editora Cultrix
Publicado por Luciane Cristina no Grupo Povo de
Aruanda em 18/05/2012
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