domingo, 10 de junho de 2012

RELIGIÃO E POLÍTICA



Por Dr. Hédio Silva Jr.*

Na versão original do famoso “Samba do Avião”, Tom Jobim inicia a letra fazendo uma saudação a Oiá e Xangô; em seguida presta homenagem a um dos cartões postais do Brasil: “Cristo Redentor, braços abertos sobre a Guanabara...”.

Inaugurada no dia 12 de outubro de 1931, no Corcovado, mais alto morro da capital carioca, a escultura do Cristo Redentor pesa 1.145 toneladas, tem 38 metros de altura e 30 de largura (de mão a mão).

A obra é considerada a maior estátua “art decó” do mundo, estilo arquitetônico marcado por linhas simples, elegantes e traços geométricos.

Aproximadamente um milhão de turistas estrangeiros e brasileiros visita anualmente o monumento, sendo que estão avançados os estudos para o seu tombamento. Trata-se de tombamento da própria estátua, tendo em vista que a paisagem natural do Corcovado foi tombada há décadas.

O que pouca gente sabe é que a inauguração do Cristo Redentor fez parte de um grande acordo entre o Governo Provisório de Getúlio Vargas e a Igreja Católica.

A relação política entre Estado e igreja não era nova e vinha desde os serviços prestados por esta à Coroa Portuguesa, inclusive a catequização obrigatória dos africanos escravizados.

Na inauguração do Cristo Redentor, Getúlio e todo o seu ministério subiram o Corcovado para ouvir a pregação do Cardeal Sebastião Leme, que consagrou a nação “ao Coração Santíssimo de Jesus, reconhecendo-o para sempre seu Rei e Senhor”.

Outro afago feito por Getúlio foi a adoção de um decreto que permitiu o ensino religioso nas escolas públicas, desobedecendo abertamente a proibição estabelecida pela Constituição vigente na época.

Em troca, a Igreja levou a massa da população católica a apoiar o novo governo.

Foi assim que o símbolo de uma religião foi transformado em símbolo nacional, cantado em verso e prosa.

Vale lembrar que nos nossos dias são frequentes as notícias sobre a atuação de bancadas católicas e evangélicas no Congresso Nacional, nas Assembleias Legislativas e nas Câmaras de Vereadores.

Exemplos como este não deixam nenhuma dúvida: todas as religiões, sem exceção, fazem acordos com políticos e governantes. Religião e política sempre andaram juntas – para o bem ou para o mal.

No caso do Candomblé e da Umbanda, o problema não está em se fazer política dentro da religião. Primeiro porque a política está presente em nossa vida o tempo todo, em todo lugar.

Quantos fiéis das Religiões Afro-brasileiras não são obrigados a esconder sua religião no local de trabalho, na escola ou na vizinhança para não sofrer discriminação? Quantos já não foram vítimas de humilhação, de preconceito e não tiveram a quem recorrer? Tudo isso depende da política.

O problema, portanto, é que muitos fiéis e Ministros (as) das Religiões Afro-brasileiras ainda têm dificuldade para compreender a força do voto, a força da nossa comunidade organizada.

Em ano eleitoral sempre aparecem os candidatos nos Terreiros. Eles chegam, dão tapinhas nas costas, distribuem sorrisos e presentinhos na comunidade e depois ficam quatro anos votando contra os direitos e interesses da Umbanda e do Candomblé.

Por isso precisamos lembrar que voto é coisa séria. Quem vende seu voto, geralmente por preço muito barato (um saquinho de doces aqui, um saco de cimento ali) não tem o direito de cobrar depois.

O voto deve servir para fortalecer nossa Religião, fazendo com que Candomblé e Umbanda sejam cada vez mais respeitados e exerçam todos os direitos que a lei assegura às religiões.

Devem merecer nosso voto àqueles candidatos que assumam compromisso público com a comunidade, que apresentem propostas concretas e que lutem contra a intolerância religiosa. O ideal certamente é que o voto sirva para eleger candidatos da própria Umbanda e Candomblé, colocando nas Câmaras de Vereadores pessoas que sintam na pele o peso da discriminação religiosa.

Se todas as religiões têm atuação no campo da política, por que Candomblé e Umbanda não podem ter? Só nós não podemos? E os outros?

Dr. Hédio Silva Jr., Professor, Diretor da Faculdade Zumbi dos Palmares, Advogado e Ex-secretário de Justiça do Estado de São Paulo. Militante há mais de 30 anos contra a Intolerância Religiosa e Racial.

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